26.5.10

 
“Vanessa, tire o véu da inocência”*


Esses dedos me carinhando, com movimentos algebricamente estudados, parecem bem mais do que cinco nos seus quíntuplos desejos escondidos.

Sem olhar seu rosto, adivinho sua cara angelical arquitetando mil coisas, com a ingenuidade típica de uma criança perversa e a inofensividade de uma cobra-coral à espera do bote, ou, no seu caso, dote.

Mas qual dote?! Este apê que tá mais pra impagável do que impecável? Um carro que gosta mais do mecânico do que de mim? Uma carreira tão incerta quão o seu amor?

Não sei. Certamente nada que mereça bandeja de café da manhã na cama e sanduíche recheado da mortadela da cobiça e margarinizado em demasia. Ou seu sorrisinho permanente e esse sim pra tudo e não pra nada.

E agora, vestida a caráter (o mesmo que lhe falta) na sua hipnotizante dança do ventre, me encara equilibrando na cabeça a faca do destino.

Vanessa, tire o véu da inocência e parta logo antes de me partir!


* Verso da música “Vanessa e o véu”, da banda Sua Mãe.

17.5.10

 
Só ao redor de si


Circundado do vazio,
circuncidado de si,
vê,
num vão rodopio,
o que descrê:
seu círculo de amizades,
de diâmetro ridículo,
não dá nem um semicírculo.

11.5.10

 
Não é por aí


Você chega; balbucia um “oi” quase inaudível; reclama do trânsito, do trabalho, das contas a pagar.
Guarda a carteira no mesmo lugar de sempre; desliga o celular (prefiro não confiar na intuição e não perguntar por quê); liga a tevê em volume alto pra ouvir de longe; tira a roupa; toma banho.
Abre a geladeira; pergunta se não tem outra coisa; esquenta a janta no micro por dois minutos e 30 segundos; come vendo o jornal (um dia ainda vou merecer a mesma atenção que você dá à apresentadora).
Pega uma cerveja; fuma na sacada olhando pra lua e travando um diálogo imaginário com ela (e eu aqui, a anos-luz de distância).
Nada de mim, nada de nós, nada da nossa relação.
Ao meu “não podemos viver assim”, arqueia as sobrancelhas; dá uma tragada mais forte; diz que todo dia é a mesma coisa (jura?), que você não faz nada de errado e eu só implico.
Quando falo que é melhor a gente se separar, diz que tô fazendo drama e que a saída não é por aí.
Olho pra porta com o “por aí” ecoando em mim.

3.5.10

 
Não há mais paisagens no fundo do mar

Flutuando nas águas verde-buziosinianas da praia de João Fernandinho, se esquece da vida, pensando na vida:

na caipirinha com limão e kiwi que era a melhor que tinha tomado até hoje;
na australiana que experimenta castanha de caju e fala que é muito “nhame-nhame”
(e como ela é que era muito “nhame-nhame”);
no mar puxando;
nas férias acabando;
(puts, será que não vou ficar com ninguém aqui?);
no emprego chato
- o mesmo há dez anos
- com o mesmo salário
- o mesmo pessoal falso
- o mesmo chefe escroto
- a mesma vontade sempre adiada de pedir aumento
- as mesmas broncas que recebia e adiavam a vontade adiada de pedir aumento;
nas contas a pagar;
nas brigas de família;
(no mar puxando mais...);
nos peixinhos da praia (quede isso no Guarujá?);
de como era bom ficar boiando ali;
na caipirinha que tomaria com a sereia australiana nos próximos dez anos de férias eternas;
((no mar puxando bem mais...));

(...)

mas
mAs
mAS!
MAS!

(...)

MAS!!!

(...)
maS
(...)

mas

não há m is
pais g s no
fund...

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