26.6.07

 
Rádio-relógio


Olhos fixos no teto por um bom tempo, pensa nas horas.

Vira de lado, mas o outro travesseiro não lhe deixa ver.

Observa o travesseiro.

Tinha dormido um pouco só pra descansar antes de sair, mas não tem ânimo nem de levantar a cabeça e ver as horas.

Como se os centímetros do travesseiro fossem um muro gigante.

Recorda o pai que dizia pra nunca abaixar a cabeça diante dos problemas.

Volta a olhar pro teto.

Quando ela morava lá, aquele era seu lado na cama. Era só virar, ver as horas e pronto. Agora, tudo mais difícil.

Num esforço descomunal, tenta de novo e levanta a cabeça.

0:53.

Muito tarde pra se arrumar e sair, ainda mais sozinho.

Podia ligar a música, se houvesse alguma razão.

Continua olhando pro quarto escuro.

Vazio.

Podia se levantar e ir pra cozinha comer alguma coisa, mas teria que atravessar o vazio ainda maior de uma casa toda vazia.

Pensa na vida.

Nas coisas que se passaram.

Como o tempo passou.

E no que não passa nunca.

Não quer pensar na vida.

Queria saber de novo que horas são.

19.6.07

 
Casamento 0



─ ?
─ Sim.
─ Sim.

─ ?
─ Sim.
─ Sim.

─ ?
─ Sim.
─ Sim.

─ ?
─ Sim!
─ ...

12.6.07

 
Casamento I

(ler com sotaque curitibano)



Na vizinhança, olhar estranho.

Na trinco, duas voltas pra complicar.

Na sala, catinga de macho.

No quarto, meu chinelo nunca no lugar.

Ela? Perfumada que só. E pra mim nem banho.

“Bandida! Tá indo se lavar pra tirar o cheiro do outro?”

Sem resposta, a mardita chora por um tapinha.

No que tentou descontar, meu sangue subiu.

“Agora vou te lavar, sua puta!”

Gastei minha pinga na vadia e taquei o fósforo.

A bruxa é tão ruim que nem pra carvão serve.

No quarto, o diabinho-de-olho-azul-de-não-sei-quem berrava. Fosse meu nem chorava.

“Vá, sua vadia, cuidar desse traste que nem meu deve ser!”

“Antes, café!”

Se não ficar pronto em cinco minutos, quero nem ver.

Deixo de ser um bom marido e não respondo por mim.

4.6.07

 
Casamento II

(ler com sotaque curitibano)


Bateu a porta mostrando que era dia de soco com olho roxo.

Corri com o anjinho pro quarto, que ele não merece ver as coisa que esse demo faz.

“Bandida! Tá correndo pra se lavar e tirar o cheiro do outro?”

Com a garrafa de pinga na mão, deu-me um soco que fez minha cabeça quicar no chão antes de poder falar que nunca tive outro homem na vida.

“Até mulher de rua é mais limpa que você! Mas cê vai ver. Eu vou te limpar!”

No que jogou a cachaça em mim gritei, mas quede vizinho, se tão tudo acostumado com esse inferno?

Riscou o fósforo, tacou na minha perna e ainda disse que eu devia outra pinga pra ele.

Só não virei cinza por obra do santo do Seu Manoel, que com pena de mim sempre põe um pouco de água na bebida do cão.

Do quarto, o pobrezinho chorava.

“Vá, sua vadia, cuidar desse traste que nem meu deve ser. Mas antes, faz meu café!”

Sentou no sofá, dormiu, roncou.

E eu só pensando quando vão inventar uma marca que já vem com vidro moído pra dar menos trabalho.

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